Se o Contencioso Administrativo tivesse uma ala no Louvre
Após uma visita ao museu Louvre, foi inevitável comparar certas obras ao Contencioso Administrativo. Consegui fazer analogias, imaginar histórias e concretizar a matéria de forma prática à vista e de forma lúdica.
A Rendeira
Artistas: Johannes Vermeer, Caspar
Netscher
Dimensões: 24 cm x 21 cm
Localização: Museu do Louvre
Material: Tinta a óleo
Criação: 1669–1670
Período: Século de Ouro dos Países Baixos
O primeiro período do Contencioso Administrativo é o período
do pecado original, da promiscuidade entre a Administração e a Justiça, entre
administrar e julgar. É um período que corresponde à instauração do estado
liberal, séc. XVIII, XIX e início do séc. XX – fase do administrador juiz. O
juiz era administrador e o administrador era juiz.
Considerada uma das pinturas mais famosas de Vermeer,
calcula-se que tenha sido produzida entre os anos de 1669 e 1670. Como muitas
outras obras do artista, A Rendeira
retrata uma pessoa a realizar uma tarefa, rodeada de seus elementos de
trabalho.
A jovem está absolutamente envolvida no seu trabalho
minucioso, manipulando cuidadosamente pinos e fios coloridos. O trabalho
doméstico é o indicador de sua virtude. Distante da realidade do mundo, a jovem
presta atenção apenas ao seu dever. Tal como a fase do pecado original. Cada um
se concentra na sua virtude, ou no seu papel. Uns administram e outros julgam.
Os juízes não têm poder. São como linhas guiadas por uma agulha, que
administra. Não há uma integração plena de papéis na sociedade. Ocupa grande
parte da história do contencioso administrativo mas só com o segundo período é
que se verifica uma maior interligação entre as diferentes vertentes do
Contencioso Administrativo, bem como das profissões na sociedade, representadas
neste quadro pela mulher.
A Jangada da Medusa
Artista: Théodore Géricault
Dimensões: 4,91 m x 7,16 m
Localização: Museu do Louvre
Período: Romantismo
Material: Tinta a óleo
Criação: 1818–1819
O segundo período, revela-se mais tarde com a fase social-
inicio do século XX, surge a jurisdicionalização destes tribunais, mas não
muda nada em concreto. O contencioso era limitadíssimo, os juízes continuam a
ter pouco poder, apenas anulavam as decisões da administração, contudo
deixaram de ser órgãos do poder administrativo e transformam-se finalmente em
juízes. Em Portugal e França isto só sucedeu em 76 e 80, em França com a
decisão do conselho constitucional francês que estabeleceu a natureza
jurisdicional do conselho de estado. Contudo, noutros casos isto aconteceu no
inicio do século, como por exemplo, Itália, Espanha e Alemanha. Este é o
período do Batismo.
A
fragata real “Medusa” deixou Rochefort na França, a 17 de Junho de 1816, em
direcção a Saint-Louis, no Senegal. Apontada como uma das mais modernas
embarcações da época, a sua missão era tomar posse da colónia do Senegal, que
havia passado para a tutela francesa. A
bordo seguia o novo governador do Senegal, com a sua família, soldados e a
equipa da marinha. Um total de 400 pessoas, seguramente mais do que as
condições do barco permitiam. Ao comando da "Medusa" estava Hugues du
Roy de Chaumareys, um capitão que durante 25 anos esteve longe das águas por
imposição de Napoleão. notícia do naufrágio da "Medusa" foi publicada
em Setembro de 1816, pelo jornal parisiense Journal des Débats. As
investigações sobre as causas e as circunstâncias exatas do desastre ocuparam
os jornais franceses durante meses. Uma história de infortúnio que desencadeou
um escândalo político. Apenas 10 dos 147 ocupantes da "Medusa"
sobreviveram. Tendo como base este acontecimento, Théodore Géricault resolveu
pintar um quadro que começou por chamar-se "Cena de um Naufrágio". A
obra integrou a exposição no Salão de Paris, em 1919 e causou grande polémica.
A mesma polémica que causaram estas reformas nos países mencionados. Este
quadro, a sua explicação fala por si no que diz respeito à comparação com o
contencioso administrativo.
Liberdade a guiar o povo
Artista: Eugène Delacroix
Dimensões: 2,6 m x 3,25 m
Período: Romantismo
Material: Tinta a óleo
Localização: Museu do Louvre (desde 2013)
Assunto: Marianne, Revolução de Julho, Franceses
Relaciona-se com a terceira fase
do Contencioso Administrativo. Esta tem início na segunda metade do séc. XX e
chega até aos dias de hoje. O professor Vasco Pereira da Silva denomina este
período como o período do Crisma ou da Confirmação do contencioso: por um lado,
reafirma a natureza jurisdicional do Contencioso Administrativo mas, retira
desta natureza todas as consequências, tornando-se o juiz Administrativo num
juiz igual aos outros com plenitude de poderes em face da Administração Pública
(o juiz tem poderes anulatórios, de dar ordens à Administração e
condenatórios). Por outro, o Contencioso Administrativo ganha dimensão
subjetiva, isto é, transforma-se num instrumento de tutela dos direitos
particulares, passando a estar em causa o verdadeiro direito administrativo, em
que o particular e a administração estão em igual posição nas relações
jurídicas que estabelecem entre si e perante um juiz, quantos aos poderes de
intervenção no processo. A administração prossegue o interesse público, ainda
que o particular tenha direitos fundamentais e que cada relação tenha os seus
direitos e deveres específicos.
Com esta
introdução, crio uma clara relação com o quadro de Eugène
Delacroix, de 1830. Isto porque A
Liberdade guiando o povo é uma pintura criada em comemoração à Revolução de
Julho de 1830, com a queda de Carlos X. Uma mulher representando a Liberdade,
guia o povo por cima dos corpos dos derrotados, ao segurar a bandeira tricolor
da Revolução francesa numa mão e uma arma na outra. A dupla caracterização do
atual Contencioso Administrativo equivale à superação dos principais traumas da
infância difícil do mesmo. Talvez a mulher agora segurasse numa mão o código de
procedimento administrativo ou o código de procedimento nos tribunais
administrativos e noutra a balança como símbolo incessante da procura da
justiça nos tribunais administrativos. A constitucionalização do contencioso e
a europeização são marcas claras da evolução destes traumas, que poderiam estar
em pé dando apoio à mulher enquanto os traumas do contencioso caiem pelo chão,
manchados com o sangue de uma infância traumática, à qual se seguiu um processo
de reforma que leva há vitória de um contencioso que urge no papel desta mulher
pelos anos fora, pois não termina nos dias de hoje a evolução do contencioso
administrativo.
Trabalho realizado por: Maria Silva Pedro (140115079)
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